João Veras
Não faço outra coisa. Eu interpelo diante de tudo que vejo da janela de suas câmaras virtuais no livro analógico de imagens correntes. Para o que convém fotografar? Ser fotógrafo? Alguém não é? Mostrar a todos a coisa? Uma coisa em movimento se aproxima da parada? Para que significa a imagética de espaços privados, como um atelier, e de lugares públicos, como ruas, mercados e palácios? Para que interessa uma flor vermelha em relevo ofegante de tão encarnado? Um espelho d’água a colocar o céu abaixo? Uma amazônica perspectiva azul prenhe de nuvens brancas salpicadas de chãos verdes? Um rio barrento que balança canoas coloridas cheias de bananas verdes? Para que conta os lados com aqueles barrancos íngremes nessa reta da água vacilante? Para que afeta um ser humano sóbrio de pele negra dormindo no chão da porta do palácio branco e suntuoso? Para que vive a sombra de um cachorro livre no mundo? Para que balançam seus rabos castigados? Um espaço quase vazio de tanta gente acobertada pelo jardim florido de pinacotecas e bibliotecas mundanas? Para que amigos e lustres a posar para aquarela câmera infalível do branco e do preto? Uma sala escura de raios fluorescente sobre o instrumento da menina música? E um mapa da colonização a enquadrar no cavalete torto seus heróis postiços. Para que esse cheiro de sernambi diante das três ninfas peruanas? Para que significa o presente disso? A memória daquilo? O futuro de outrora? Os res-peitos das senhoras? Para que se aproveita os tantos sentidos, essa polissemia voadora que teima, pelos signos fotográficos? Para que vale o ato fotográfico em si? E o fora de si? Para que existe a intenção no clique? E o desejo de uma eternidade imaginária? Para que toca um rosto sério 3×4 de representação? Um corpo captado? Para que conta um anônimo na foto? Saber que é foto-grafado? Se observar pelo caçador, esse voyeur de visualidades febris? E jamais se vê na foto? Para que presta o direito de imagem para salvar a floresta do outdoor? Para que direito? Para que recorrer a um sentido só? Para que cabe inanimar o inanimado? Para que DALMIR, o FERREIRA, é translocal em suas memórias e profundidades existenciais? Para que DANILO, o DE S’ACRE, é intraestéticosideral, em seus arte-fatos das superfícies sociais? Intérpretes visuais a quatro olhos sobre o lodo cotidiano da cegueira cultural? Para que vivem os artistas? Os artistas morrem? Para que fazer uma exposição em um lugar que só é possível fazer uma exposição? Para que não se visita uma exposição e lá se vive? Para que perceber? Para que não guardar o que permanece? Para que fechar os olhos ao imanente carente? Para acordar e não viver sonhando? Para que todo dia mirar Rio Branco? Para que um cotidiano sem registro? Para que importa todo dia viver Rio Branco? Para que uma casa bela de livros e de telas é tão espantosa? Para que se tem um aparelho celular que não fotografa? Uma máquina fotográfica de última geração que não fotografa mais? Os papéis que queimam os inglórios passados? Os instrumentos que desaparelham? Um arquivo que some nas nuvens? Para que um atelier sem vírus? Para que não ter? Para que espaço de artes? Para que convém ganhar qualquer coisa apertando o gatilho imagético? Para que moldar o ambiente e seduzir o e-leitor? Para que necessita não preparar? Para que acredita a imagem mentirosa? Para que o povo avaliza as mídias invasoras de lar? Para que afeta não ganhar tirando foto de sonhos? De gente abafada? Para que não fazer estas perguntas? Para que serve não servir? Para que olhar e não vê? Para que o que não se pode compreender? Para que se justifica a vida? Para que não significa a arte? Para que abordamos? Para que insistem em colonizar também as nossas cansadas retinas? Para que refletir ainda mais nesse mundo? Para que – sem nunca finalizar – tantas perguntas surdas se, às cegas, as imagens mudas aromam de analogias as paletas maquínicas da cidade branca?
Interrogações para a exposição de fotografias Ode à superficialidade – Crônicas Visuais, de Danilo de S’Acre e Dalmir Ferreira (em julho/2017, no Sesc Rio Branco).
João Veras é advogado, músico, poeta… e acha que perguntar não ofende.
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