Antonio Alves
Poeta levantava-se todos os dias disposto a desmontar a Máquina do Mundo. Lutava com ela enquanto havia luz, às vezes nem parava para comer -um simples descuido e seria engolido, o que, aliás, aconteceu muitas vezes. À noite costumavam descansar e preparar estratégias para a refrega que continuaria, incansável, no dia seguinte. Digo costumavam porque a Máquina do Mundo empenhava-se na disputa, sabia que poderia ser desmontada definitivamente e resistia. Mais: sem a luta de Poeta, não via sentido em existir, era uma máquina inútil e dispendiosa. Mas ele não sabia que sabia disso, apenas lutava e, nas raríssimas vezes que vencia, voltava para casa triunfante, convidava os amigos e tomava uma taça de vinho para comemorar.
Com o tempo, foram cansando. Nos dias de luta, param para almoçar -e às vezes o fazem juntos, conversando sobre a vida. Terminam cedo, aos sábados.
Poeta passa agora muitos dias em casa, cuidando das plantas e escrevendo um livro, um longo e minucioso inventário de estratégias para desmontar a Máquina do Mundo.
Ela também já não se empenha tanto em manter-se funcionando. Tem dias que fica por aí, totalmente destrambelhada. O mundo, por isso, está cada dia mais cheio de falhas e desastres. Mas em alguns dias surpreendentes é invadido por enormes e súbitas ondas de poesia.
publicado no blog Tempo Algum em 13 agosto de 2009