Antonio Alves
É como mudar-se para outra cidade e ter que percorrer com cuidado a nova paisagem e as novas relações, sem saber ainda o que vai encontrar, assim é estabelecer-se no mundo virtual, ter nele um endereço e uma janela de onde acenar para os que passam e dirigir-lhes algumas palavras. Mesmo que já tenha morado antes na cidade, tudo é estranho e inseguro: os amigos sumiram, os lugares antigos não existem, o trânsito é muito mais complicado e rápido…
Busco nos textos antigos, que escrevi nos blogs da vida, alguma referência que oriente a navegação, uma descrição do mundo para comparar com o que vejo hoje, uma previsão de futuro -mesmo errada, qualquer sinal. Encontro, em pouco mais de uma década, os motivos cada vez fortes que me fizeram um dia ir embora e as razões ainda válidas para permanecer longe. Por exemplo, este trecho em março de 2010:
“O mundo virtual, que se amplia veloz na mente humana, é uma plantação infinita de ódio, intolerância e preconceito. Todos gritam exasperados ou resmungam venenosos sobre qualquer assunto, com evidente preferência para aqueles sobre os quais não entendem nada. Pior que os ignorantes, porém, são os especialistas: desfilam com destaque na passarela ostentando obviedades extraídas de manuais e cartilhas do século retrasado, dois degraus abaixo do senso comum, preocupados em posar para a foto com cara de cientista, analista, ideólogo, pesquisador, mal conseguindo disfarçar sua alegria pelos 15 segundos de fama e oportunidade de deixar telefone para contatos“.
O mal-estar, portanto, continua o mesmo e piorando. E o remédio também ainda é o retorno à base. Do mesmo texto:
“Ontem vi o luar sobre a Terra e o reflexo das estrelas na água do açude. Depois, nuvens. Chuva na varanda, madrugada adentro. E hoje comi um biribá madurinho, cuspindo as sementes no barro molhado. Peguei ônibus lotado: homens com sacolas, mulheres com crianças no colo, muitos jovens voltando do passeio. Este mundo é possível?”
Sendo assim, não vou me angustiar nem chatear os caríssimos leitores com incômodos para os quais tenho que dar o meu jeito ou aguentar sem reclamar. Se voltei a este mundo -por necessidade ou vaidade não importa-, tenho que fazer o que vim fazer e pronto. E o que vim fazer, entre outras coisas, é derramar minha prosa em tom de poesia daqui desta janela, mesmo aos ouvidos moucos e aos olhares de estranhamento dos transeuntes que, da rua agitada desta cidade louca, me concedem um minuto de sua desatenção.
Algo se aproveita, respeitável público, algo sempre se aproveita. E posso assegurar, com a garantia dos últimos 20 mil anos de experiência: poesia faz bem pra saúde e não tem efeitos colaterais negativos. E se tu, caro amigo, aguentas a pancadaria diária e horária destas cidades reais e virtuais, nada deves temer de minha cantiga leve e breve.
Caissa-te, pois. E sê feliz.