por Veriana Ribeiro
Todos os dias eles estão lá. Pedindo comida, dinheiro ou atenção. Deitados no chão e nos lembrando porque continuamos indo ao trabalho, seguindo as regras e participando deste sistema, desta máquina de moer pessoas. Eu apresso o passo, finjo procurar algo na bolsa e não escutar o rapaz me chamar “ei moça, ei moça!”.
Tento lidar com o sentimento de culpa e incômodo dentro do peito e minto pra mim mesma que não posso ajudar. As vezes olho para eles e digo isso: “hoje não tem” e sigo a vida. Deixo para trás os pedidos, as suplicas, a pobreza e tudo o que eu não quero encarar sobre essa cidade.
Todo dia o mesmo trajeto, as mesmas ruas, o mesmo ponto ao lado do metrô que eles ficam amontoados. Todo os dias eu passo por eles, todos os dias eu tento desviar deles. E de mim mesma. Olhar para eles é encarar meu próprio egoísmo.
Até que um dia, eles não estão lá.
Os colchonetes no chão se foram. Os cobertores que foram doados na última friagem também desaparecem. Não tem nem mesmo um papelão. Eles se foram e eu não consigo acreditar. Eu, que sempre desvio o olhar, me vi procurando por eles.
Onde levaram os mendigos que sempre ficam aqui? Quem limpou este lugar? O que fizeram com esses homens e mulheres?
Eles se foram e isso me dá medo.
Me dá medo porque a pobreza não desapareceu com eles. O desemprego não foi embora. A vida não ficou melhor do dia para a noite. Apenas eles desapareceram.
O que é possível tirar daquelas pessoas, que praticamente não tem nada? O agasalho que os aquece na noite fria ao relento. O colchão que deixa o chão menos inóspito. O lugar que lhes dá segurança naquela cidade tão difícil. A vida.
Será que estão bem? Será que isso é um aviso para todos nós? Quando seremos nós aqueles que vão incomodar tanto que serão simplesmente apagados da paisagem?
Lembrei que por muitos meses eu não passava por aquela rua porque tinha medo dos mendigos amontoados na entrada do metrô. Eu, menina de cidade pequena, não estava acostumada com aquele aglomerado de gente sofrendo. Aprendi a conviver com eles ali, deitados, me vendo passar. Eventualmente pedindo algo. No dia em que os mendigos sumiram, eu senti a falta deles. Eu temi por eles. Eu descobri que o mundo poderia ser mais cruel do que já era. No final das contas, eu descobri que me sentia mais segura com eles ali.
Essa cidade é desumana demais.