Antonio Alves
Passei uns meses sem conseguir escrever uma linha. Demorava a responder o desafio da tela em branco até que ela ficasse escura, refletindo minha imersão em um tempo que se anunciava e que agora, para muita gente, já começou.
Justificava-se assim a demora: queria escrever, mas o surto psicótico do país paralisava meus dedos longe do teclado e fixava meu olhar num ponto além da superfície da tela em que deveriam se alinhar as letras. Permanecia nas angústias do presente até que as dificuldades anunciadas para o futuro se sobrepunham.
Gostaria de ter -ou criar- um manual prático de sobrevivência e mais, quem sabe, de aproveitamento de eventuais oportunidades de trabalho nestes tempos “interessantes” em que a civilização é sacudida por tremores intensos de uma crise que pode ser terminal. Ou pode não ser, não vou insistir, chega de anúncios do Apocalipse, basta estar pronto para o que der e vier.
Não tenho medo de escuro, mas é incômodo para andar. Uma poronga ajuda, nessas horas, e tenho ouvido muita gente pedindo por um lume, nem que seja um facho de sernambi. Por mim, não me avexaria, olharia as profundezas da tela escura por mais tempo em busca de vislumbrar o invisível. Há coisas que se pode perceber no fundo escuro da noite, sondando os silêncios e os vultos que se ocultam da fala e dos movimentos.
Há instrumentos para sondar, valham-me os relatos dos antigos e as análises dos modernos. Mas é meu hábito e preferência, nessas horas, revisitar o que andei escrevendo pensando sentindo, buscando referências nos ciclos que tenho vivido e lições aprendidas ou desaprendidas. A poesia reescreve-se sempre; nas velhas partidas de xadrez as idéias estratégicas desafiam os séculos.
No mais, o que se agita no escuro desta noite humana não é algo estranho ou diferente, nem traz significados novos para imagens antigas. Até onde vejo, o que emerge na tela escura do país e do mundo causa mais medo e dor pela agonia da repetição, da sensação de volta atrás. O caso é mesmo de regressão.
Voltei à superfície, contemplei mais uma vez minha imagem noturna sobre o fundo ainda mais escuro e assim deixei estar por tantos dias. Adiei o mundo e suas profundezas, saí a procurar serviço imediato pois o pão dos filhos não espera. E ainda há cacos da vida estilhaçada a recolher, dívidas a pagar, a saúde para cuidar. Hora de afiar o terçado e buscar uma empeleita, um quintal pra bater, uma imbiara pro almoço.
Lembrei de um velho seringueiro que me relatou sua vinda do Ceará para o Acre, com uma parada a meio-rio procurando aviamento, porque “sem patrão um homem não pode viver”. E assim estou, quem souber de uma colocação vadiando, me avise.
O texto? Vou fazendo, sem avexame, no tanto e quando que dá.
Olá, grande amigo. Manuais são sempre autoritários e limitados. Existe um caminho, porém. O entendimento da mudança de comportamento proporcionada pelas chamadas novas tecnologias, que não são tão novas porque os chineses já tinham a ideia do computador no I-Ching. Me deparei com uma frase muito interessante sobre a realidade: Interconexões de Probabilidades. Esta tal de eleição que tivemos já foi determinada pela malandragem no uso da internet, que permite que nos comuniquemos agora e encurtemos tempo e espaço. O escuro é muito bom pois ativa a curiosidade.