Antonio Alves
1. No final das contas, dentro e fora da tela do computador encontro os mesmos habitantes. A diferença é a luz do sol, mesmo encoberto no céu nublado deste inverno amazônico. Qualquer mundo é assim: enxerga quem procura. Por algum ponto tenho que começar e assim, seguindo fielmente a recomendação que fiz a mim mesmo, voltei à beira do rio Acre. Ali, na paisagem conhecida embora mutante do centro de Rio Branco, dei-me o prazer de um picolé de açaí e a contemplação da passagem das águas.
A milenar impermanência do rio revela a brevidade da cidade e do cidadão. Ainda há pouco, um dia desses, eu saía desta escola -que já não é escola- e percorria os becos deste mercado -que agora tem muito pouco de mercado. Entre ganhos e perdas, constato a força de uma ilusão, o mundo, que se constrói às custas de uma realidade, a Terra. Para erguer o que se pretende durável senão eterno, gasta-se o que tem valor: a vida e o trabalho de uma geração inteira. Depois a ferrugem, as traças e o descaso da geração seguinte avexam o tempo em seu trabalho.
2. Tenho lido e escutado a admoestação dos mais sinceros e bem intencionados: é hora da autocrítica. Discordo. A autocrítica é insuficiente, nesta hora de regressão civilizatória. A hora é de reflexão profunda, até o limite da razão, para superar o padrão, o traço neuropsicótico que nos trouxe ao desastre. Agarrar-se a uma identidade social pode ser resistente ou resiliente, como dizem, mas pode também ser paralisante. É preciso abrir as janelas, com humildade e boa porção de silêncio. E uma certeza: os bons tempos não vão voltar -e felizmente, pois tinham apenas aparência mas não eram assim tão bons. Quem ainda se ilude, trate de acordar.
Claro, devemos socorrer as vítimas. Há milhões de inocentes precisando de comida e cobertores e também muita gente confusa precisando de uma boa conversa. Mas é preciso, primeiro, estar em condições de ajudar e, segundo, não desperdiçar tempo e recursos quando a coisa está na casa do sem jeito.
3. É bonita, tocante e poética, a palavra de ordem “ninguém larga a mão de ninguém”. Na prática, convenhamos, tem mãos que não dá pra segurar mesmo que o coração se comova com a ansiedade desesperada com que tentam nos segurar. Compaixão é essencial, mas cada um deve pagar suas dívidas e assumir suas responsabilidades.
Com o rio, reaprendo a dar voltas sem perder o rumo. Faço um inventário do que tenho e do que sei, como quem verifica as provisões para a travessia, que pode ser longa, de um território inóspito. (Se estivesse sozinho, seria uma aventura. Carregando crianças, o andar é lento e todo cuidado é pouco.) Uma prece para quem fica, uma canção para quem segue em frente: no verso de Luís Melodia, “em passo a passo, passo”.